Essa lenda é um resquício, só sobraram fragmentos do nosso povo. Mas mesmo depois de cerca de 40 mil anos, ainda preservamos pedaços da nossa tradição. Mesmo depois da chegada do homem-branco que trouxe consigo Luison, e a destruição da nossa identidade. Tentaram nos escravizar, diziam-se superiores, e usaram sua magia, e enganaram a muitos. Nos forçaram a adorar outro deus, do qual nunca ouvimos falar. Mas essa tribo da casa de Iauára não se deixou levar pela força dos homens de Luison. Porque a tribo de Iauára é diferente, tem em seu sangue o poder de Teju Jagua.
Somos gratos a ti grande Teju Jagua, por proteger e esconder nossas filhas e mulheres nas cavernas e nos conceder sua força para combater banhando com curare nossas lanças, para ferir aqueles que tentavam forçar o amor com nossas mulheres. Porque o amor é dádiva de Kurupi, e se os outros não se opõem, ao menos os Iauará não irão jamais permitir isso, porque a família é tudo.
Nós sempre dividimos comida, seja na pesca ou depois de coletar Aipim e Jirimum, nós sempre compartilhamos, para que não falte para ninguém. E ninguém sofre, porque cada um sabe e faz o que tem que ser feito. Mas o homem-branco corrompe o nosso sistema, manda e desmanda! quer tudo pra si, e se resigna apenas a ordenar, enquanto fazem o seu trabalho. Destruíram o nosso Ibirapitanga, já restam poucas árvores olhando daqui de cima do Monte de Anhangá.
- Mas Raoni, me conte mais sobre o povo da aldeia de Teju Jagua, é verdade que somos os últimos descendentes?- disse o jovem Acir, enquanto mordia os lábios de ansiedade para terminar logo o ritual de passagem para se tornar um homem de verdade.
- Não me interrompa! Acir, esse momento requer paciência, e sabedoria. Não demonstre fraqueza agora. Pois muitos caíram por serem enganados e foram escravizados.
- Perdão grande Raoni, não irei mais fraquejar. Mas quero provar minha força, e mostrar que sou digno de ser um Iauára, guerreiro de Teju Jagua.
- Então prove sua força e peça também a Pytajovái para traçar sua estratégia de guerra, porque hoje a noite Baipu Tuvy morde a Lua e ainda essa noite você terá de derrotá-lo, ou ele fará o mesmo com o Sol e nunca mais irá amanhecer!
- Não me interrompa! Acir, esse momento requer paciência, e sabedoria. Não demonstre fraqueza agora. Pois muitos caíram por serem enganados e foram escravizados.
- Perdão grande Raoni, não irei mais fraquejar. Mas quero provar minha força, e mostrar que sou digno de ser um Iauára, guerreiro de Teju Jagua.
- Então prove sua força e peça também a Pytajovái para traçar sua estratégia de guerra, porque hoje a noite Baipu Tuvy morde a Lua e ainda essa noite você terá de derrotá-lo, ou ele fará o mesmo com o Sol e nunca mais irá amanhecer!
Enquanto Acir, partia para cumprir a tarefa atribuída, teve de descer até uma tribo chamada de Takuari, que são hoje uma reserva no estado de São Paulo.
Acir decidiu pedir ajuda nessa tribo, para que o ajudassem a repor o estoque de curare, pois suas flechas e sua lança tinham pouco veneno e chegando lá avistou uma em meio as Ocas, Malocas e Tabas iluminadas pela fogueira já quase extinta, uma moça que acabara de sair de uma Opy.
- Sozinha, e rezando. O que será que aflige o coração dessa moça? Daqui consigo ver em seu semblante a tristeza.
Enquanto isso, Acir começa a correr em direção a moça, que agora mais perto, parece a coisa mais linda que já vira em toda a vida.
- Olá, aconteceu algo ? - diz Acir, gritando preocupado
- Quem é você ? nunca o vi por aqui? Estou chorando... deixe-me!
- Desculpe, mas sou um guerreiro e estou procurando ajuda para fazer mais curare, é muito importante! Por favor me ajude... - Acir pede agora com a mais suave voz - seria uma honra se pudesse me ajudar, só tenho você.
- Como assim, só tem a mim ? Não percebe que todos estão dormindo ?
Nesse momento, Acir segura sua mão e diz agora quase sussurrando:
- Esse... é o problema.
E após dizer essas palavras a fogueira se apaga, abruptamente, se escuta um estridente e perturbador uivo.
- Quem está ai ? - diz o jovem guerreiro Acir, com autoridade e firmeza na voz
Mas logo em seguida se escutam risadas, que parecem estar dentro da mente de Acir e soam como risadas de hienas.
- Diga logo covarde! O que fez com todos os outros que estavam aqui ? Eu sinto o cheiro do sangue derramado...
E naquele momento foi possível ver a sombra do que parecia ser um cachorro gigantesco, mas o mesmo estava a andar como bípede.
E a moça agora abraçou com muita força o jovem Acir, ao perceber que aquela sombria criatura chegava cada vez mais perto.
- Meu nome é Jaci, nobre guerreiro - Disse a moça - Por favor me dê sua lança e vamos juntos combatê-lo.
E ao passar sua lança para Jaci, Acir prepara seu acro e flecha já banhados com o pouco curare que ainda tinha e grita para a criatura:
- Pode vir demônio! Estou pronto.
E ao se erguer das trevas, a criatura toma agora a forma de homem, e somente é possível observar seus olhos, que brilham na escuridão. E ele agora, em forma de homem uiva novamente, e diz:
- Então você é o nobre guerreiro incumbido de matar Baipu Tuvy ? Mas você é só um mortal fraco... uma criança tentando provar algo que não é. Todos os Iauára que tentaram realizar esse feito foram mortos por mim!
- Quem é você desgraçado? - Acir, agora está extremamente furioso.
- Criatura das trevas! Ele não está sozinho, saiba que vou fazê-lo pagar pelas mortes da minha tribo!- Diz Jaci.
E naquele mesmo instante Acir chega a uma triste conclusão. Não conhecera seu pai, pois antes de realizar o ritual se passagem seu pai fora morto, deixando a sua mãe Jupira sozinha.
- Então você é o monstro responsável pelos assassinatos ? Meu querido pai, que nunca pude conhecer... então é culpa sua! - Acir agora, morde os lábio e fecha os punhos e larga agora o arco e flecha.
- Calma guerreiro, ele também acaba de matar a toda minha família, veja só ao nosso redor, os corpos estão estirados em todos os cantos, só pude ver depois que a figueira apagou.- Diz Jaci no ouvido de Acir.- Vamos atacá-lo juntos, teremos mais chance.
Mas naquele momento Acir permite que a raiva tome conta de todo o seu ser e parte pra cima da criatura dizendo - Eu sei quem você é, seu desgraçado! Lucien, o maldito que traz a morte a todos... não permitirei que continue com isso, maldito!
Mas Lucien é um deus, já conhece os movimentos de Acir e logo se transporta com uma névoa negra para outro lugar.
- Sim! Sou Lucien, o grande Lucien, o cão que toma as vidas dos fracos, e seu pai foi um desses miseráveis. - e logo desaparece deixando apenas uma gigantesca nuvem de névoa negra.
- Desgraçado, não vou permitir que fuja! - grita Acir, desconsolado e furioso.
- Acir, tenha calma, eu também o farei pagar. Vamos juntos mostrar que a vida tem mais força do que a morte.
- Como pode ser um deus e covarde ao mesmo tempo ? - diz Acir inconformado.
- É porque você tem a marca! Ele tem medo da sua marca.
- Do que está falando Jaci ? que marca é essa?
- Assim que te abracei, percebi em suas costas a marca dos Iauára, são o povo mais temente a Teju Jagua, e todos sabem que neles corre o sangue de um deus, o sangue do próprio Teju Jagua, que teve um filho com uma mortal.
- O que quer dizer ? que eu sou o escolhido ? Pois saiba que meu pai foi um mortal chamado Teça, do qual me orgulho muito.
- Mas e essa marca Acir, você tem a marca de um deus?
- Esse risco vermelho nas minhas costas... eu nasci assim... não foi colocado por um deus.
- Segundo o grande pajé Raoni, o detentor da marca de Teju Jagua, será o único guerreiro capaz de acabar com Baipu Tuvy e Lucien. E parece que você é o único guerreiro por aqui que está tentando provar algo.
- Eu sou mais do que um simples guerreiro, Jaci. Eu sinto a força de Teju Jagua em minhas mãos, e ele me guiará para a vitória. Ainda hoje antes do amanhecer, a vitória será minha.
- Nossa... a vitória será nossa... acho que foi isso que quis dizer certo ?
- Pode ser.. tanto faz. - Diz Acir com um ar de indiferença.
Mas Jaci não responde, se irrita com a postura de Acir, e então olha com firmeza para os olhos dele e começa a andar rápido em direção ao penhasco.
- Onde vai Jaci ?
- Encontrar o grande Baipu Tuvy sozinha! se for pra ter a companhia de um ignorante e rude, prefiro salvar o mundo sozinha.
- Você salvar o mundo ? Essa missão é minha, não foi designada a você.
- Então comece a agir como um verdadeiro guerreiro de Teju Jagua, comece salvando as donzelas em perigo e não afugentando elas. Aliás, quem precisa ser salva por alguém tão rude ?
Eu mesma serei a minha heroína a partir de agora!
Acir quis continuar o diálogo mas achou melhor ficar em silêncio, porque julgou que ela iria continuar a falar mal dele independente dos argumentos que usasse. E voltou sua mente para a batalha contra Baipu Tuvy e Lucien. Pois como um mortal poderia ferir e matar deuses ?
Chegando ao topo do penhasco Jacir tratou logo de coletar mais ervas para preparar curare. Enquanto isso Acir sentou e meditou a respeito de uma estratégia de batalha, mas não encontrou forma de derrotar os deuses.
- Acir, - disse Jaci - Sabe porque eu não morri ? como os outros da minha tribo?
- Porque você estava rezando, e os deuses a protegeram.
- Não Acir. Hoje eu estava chorando porque senti o perigo se aproximando da tribo e passei o dia todo na Opy, rogando para a deusa da Lua para que protegesse o meu povo, mas parece que ela não atendeu a minha prece... - e começa a chorar - mas acho que o meu objetivo agora, já que estou viva, é lutar para que isso não se repita.
- Jaci, sabe... eu não acredito em destino, e que as coisas sejam predeterminadas, mas saiba que eu acredito na força, no amor, e na esperança. E já que estamos aqui, temos que ter esperança! É a nossa fonte de fé. Com ela nos podemos acreditar que tudo pode ser melhor e temos mais força para combater as atrocidades que os deuses das trevas fazem. E ao meu ver, não fomos destinados a ficar juntos, porque é claro, você é muito mais bonita, do que qualquer pôr do sol que em 18 anos que já tenha presenciado... mas ... enfim, estou aqui, e tenho que admitir, não para refutá-la ou infortuná-la, mas para te trazer esperança! A esperança de que amanhã irá amanhecer. E por isso tenho que derrotá-lo, derrotar o grande Baipu Tuvy e Lucien.
- Acir, como é que em 15 minutos de meditação você amadureceu tanto ? estou impressionada com suas palavras.
- Sim, é verdade Jaci, eu nunca mais quero ser rude com ninguém...
- Você só esqueceu uma coisa - Diz Jaci agora aproximando lentamento os lábios ao rosto de Acir- Você fala demais!
E assim, acontece o primeiro beijo.
Mas esse momento, é interrompido por um golpe certeiro na carótida de Jaci. Golpe com tamanha força que a atira para longe dos lábios de Acir.
Ainda atordoado, e sem saber o que aconteceu, Acir também é golpeado no pescoço, mas o ferimento não lhe causa dano algum, apenas o faz acordar para a real situação de que sua amada estava morta, logo após beijá-lo.
- Jaci!!! - Grita Acir - Meu amor, eu te amo... - começa a chorar enquanto tenta reanimar o corpo de Jaci, a qual já não dá sinais de vida - Meu amor, eu te amo, eu te amo.... eu te ..... amo......- começa a gritar ininterruptamente.
Enquanto isso, Baipu Tuvy e Lucien aparecem ao seu redor e dizem ambos em coro:
- Era melhor ter dito que a amava enquanto ela ainda estava viva? ou estou errado?
E ambos, tanto o Tigre Baipu Tuvy quanto o Lobo Lucien, correm em direção a Acir e começam a mordê-lo com estridente força.
E enquanto era atacado, Acir meditou durante 2 segundos, mas naquele instante o tempo parecia ter parado e ele viu a imagem de Teju Jagua e de todos os guerreiros que antes dele, tentaram matar o Baipu Tuvy e Lucyen, e todos eles não estavam mortos. Pois eles haviam deixado um legado, eles morreram tentando. Podem não ter conseguido, mas deram suas vidas para proteger a aldeia de deuses perversos, e naquele instante todos eles gritaram o seu nome - Acir! Traga esperança ao mundo - E naquele mesmo instante ele sentiu seu coração entrar em ebulição, ao lembrar da morte de sua amada, e de como o tempo é injusto, em não permitir que tivessem tido tempo de se amarem.
E após aqueles dois segundos, Acir começou a sentir como se algo dentro dele quisesse sair, e ele estava pronto para deixar aquele sentimento sair. E por um instante os deuses que traziam a morte exitaram e se afastaram
Inconformado Baipu Tuvy diz- Eu dilacerei seu corpo, mas ele não sofre dano algum, seu corpo parece não parece ser de um jortal.
- Eu também não entendo, sou a morte - diz Lucien - trago a morte a todos que ataco, eu o grande Cão, Lobo. Mas é como se eu não tivesse poder sobre ele.
Acir agora estava se contorcendo todo e gritando, parecia estar fora de si, até que começa a se transformar em um cão com corpo de um lagarto gigantesco. E Acir grita ferozmente as seguintes palavras: - Eu sou o portador da marca, sou filho de Teju Jagua, e eu escolho trazer a esperança e o amor, e não permitirei que deuses tiranos e genocidas continuem a existir, vou bani-los para o reino do esquecimento, que é pior do que a própria morte que trazem.
E começam a brigar, com mordidas ferozes e pesadas. Mas Acir é muito poderoso e a sede de vingança ainda queima seu coração e o torna ainda mais irado e poderoso, fazendo-o capaz de destruir os dois deuses juntos Baipu Tuvy e Lucien.
E naquele mesmo dia após tê-los derrotado, ele volta a sua forma humana, e consequentemente volta até Raoni, seu instrutor para lhe contar o que ocorrerá.
- Acir, não precisa falar nada...-interrompei Raoni - antes que o jovem começasse - não está vendo ? Amanheceu... não importa o que aconteceu amanhã é um novo dia, e mais uma vez você deve partir para que haja novo amanhecer, você é a nossa esperança!
- Mas mestre Raoni, eu perdi tudo. Conheci o amor da minha vida e não tive tempo de amá-la, como posso seguir adiante?
- Se você desistir agora, não só você como também, nunca mais ninguém poderá amar.... Porque a noite já se levanta e o deuses Baipu Tuvy e Lucien renascem com a Noite.
- Eu entendo... - Diz o guerreiro, com os olhos cheios de lágrimas - Então eu farei isso por eles, por todos os outros que ainda vivem, para que eles tenham tempo de amar seus amores e dizer o quanto amam... eu lutarei para que possa amanhecer, para que por meio do meu sacrifício vocês possam viver, amar, e cuidar uns dos outros, e somente eu saberei como é a dor de não poder ter tido tempo de te amar..... e ela viverá comigo, nesse ciclo sem fim, nascer e pôr do sol. Porque que te amo, eu te amo, eu te amo Jaci, minha princesa.
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